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Labirinto: o que é e qual é sua função

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Labirinto – estrutura e funções

As pessoas só se lembram do labirinto quando algo vai mal: ou tem uma “labirintite”, ou se sentem mal em uma viagem de carro ou de avião. Mas se ele está aí deve servir para alguma coisa.

Há algumas dificuldades em entendermos como funciona nosso labirinto. Uma delas está no fato de que suas ações no nosso dia-a-dia passam despercebidas. A ação do labirinto ou é ignorada ou é interpretada como ação de outros órgãos. Vamos utilizar exemplos de outros órgão: para ver precisamos dos olhos, para ouvir dos ouvidos, e do labirinto: precisamos dele para que?

Labirinto: nosso acelerômetro

O labirinto é um órgão que percebe a posição da nossa cabeça em relação a gravidade – ele é o equivalente ao nível da construção civil, ou de uma maneira mais moderna equivalente aos sensores de smartphones e tablets que modificam a direção do texto na tela conforme a posição do dispositivo. Dentro dos dispositivos há um acelerômetro: um sensor capaz de identificar em que posição está a tela e a partir desta informação modifica a posição da tela. Nosso labirinto é nosso acelerômetro, e ele é capaz de corrigir a posição da nossa cabeça em relação a gravidade, para que a cabeça permaneça sempre alinhada. Uma grande diferença do nosso labirinto e do acelerômetro de nosso dispositivos digitais, é que o labirinto percebe pequenas modificações – de poucos graus – e corrige todas essas inclinações, enquanto os acelerômetros desencadeiam modificações a cada 90°.

Figura 1. Nosso labirinto é nosso acelerômetro. Funciona de maneira semelhante à peça que existe dentro dos celulares, e que detectam a posição da tela e leva a mudança na direção do texto e imagem.

Funções do sistema vestibular

A partir do momento que o labirinto percebe a posição (ou aceleração) da cabeça no espaço, esta informação segue até o tronco cerebral e a partir daí segue por diferentes vias. Cada uma destas vias é responsável por uma função: equilíbrio, estabilização da imagem na retina durante movimentos rápidos da cabeça e orientação espacial. E este sistema que se inicia do labirinto e é composto por diferentes vias e funções é denominado sistema vestibular.

Então alguns exemplos do nosso dia-a-dia de funções do sistema vestibular são: enxergar claramente o que está a nossa frente quando estamos correndo ou andando, manter o equilíbrio postural, alinhar o nosso corpo na posição vertical quando estamos em um local inclinado, percebermos o nosso movimento, e diferenciarmos isso do movimento do meio ambiente ou de objetos externos a nós. Através destes exemplos fica claro que a função do labirinto não é óbvia, e que muitas vezes o labirinto é de fato auxiliado por outros órgãos e sistemas – dificilmente age sozinho, como os olhos ou o ouvido (ver post específico: funções do sistema vestibular).

Localização e estrutura do labirinto

Para perceber a aceleração e a posição da cabeça, o labirinto tem que estar preso – fixo na nossa cabeça. Se fosse um órgão solto, ou móvel, essa informação não seria precisa ou adequada. então o labirinto está preso – ele é uma escavação no nosso osso temporal – em uma região denominada mastoide. Esta escavação é denominada labirinto ósseo e dentro desta escavação há o labirinto propriamente dito – denominada labirinto membranoso. Para que não haja atrito entre o osso e a membrana, há um líquido entre ambos – denominado perilinfa e dentro do labirinto membranoso outro liquido denominado endolinfa.

Figura 2A. Vista inferior do encéfalo, em amarelo o nervo vestíbulo-coclear.
Vista superior da base de crânio, relação anatômica do labirinto, que aparece por transparência no osso temporal.
Figura 2B
Desenho esquemático da posição dos labirintos na cabeça.
Os canais semicirculares (CSC) são três estruturas com formato de uma letra “C” com diâmetro aproximado de 8mm, dispostas ortogonalmente entre si (formam ângulo de 90°), como se fossem três lados adjacentes de um cubo. O CSC horizontal fica aproximadamente no plano horizontal (com ima inclinação de 30°). O CSC anterior e o CSC posterior formam um ângulo de 45° com o plano sagital, de maneira que o canal anterior de um lado está no mesmo plano que o posterior do lado oposto.

Posição, aceleração angular e aceleração linear

Do ponto de vista físico existem dois tipos de aceleração: linear e angular.

A aceleração linear é aquela que vivenciamos em um carro que acelera (ou para) em linha reta, um elevador, metrô, trem, etc. Também é através da aceleração linear que identificamos a posição da cabeça na posição vertical: a gravidade é uma força que promove a aceleração linear dos corpos se eles são librados no espaço (como a maçã de Newton, que estava parada, se soltou da arvore, saiu de uma velocidade zero e ganhou velocidade –acelerou – até atingir o solo). Outra aceleração é a angular: que ocorre quando fazemos uma curva, quando rodamos a cabeça.

Para identificar aceleração linear e a posição da cabeça existem duas porções do labirinto: o utrículo e o sáculo. O utrículo é horizontal e o sáculo vertical (se estivermos em pé). E cada um deles tem uma estrutura plana, a mácula. Na superfície da mácula há cristais de carbonato de cálcio que se movimentam conforme ocorre a aceleração linear ou a mudança de posição da cabeça e nos informa que isto está ocorrendo.

Figura 3. Destaque para a mácula do utrículo (horizontal) e do sáculo (vertical). Devido à sua posição, a mácula do utrículo é mais sensível à aceleração linear no plano horizontal, como no deslocamento de um automóvel, enquanto a mácula do sáculo é sensível a deslocamentos verticais, como em um elevador.

Para identificar a aceleração angular há estruturas circulares, os canais semicirculares, que como mostrado na figura 2B estão organizados em 3 direções diferentes. A rotação da cabeça em qualquer direção pode ser identificada por estímulo preferencial em um destes canais. As duas extremidades de cada um dos CSCs terminam no utrículo. Enquanto uma delas é aberta promovendo uma comunicação entre CSC e utrículo, a outra apresenta uma dilatação denominada ampola, que contém uma estrutura, a cúpula, composta por uma substância gelatinosa, que fecha a comunicação com o utrículo. Na região ampular há também um espessamento epitelial denominado crista ampular, que contém as células ciliadas. Localizadas logo abaixo da cúpula, estas células mantém seus cílios embebidos na substância gelatinosa, de modo que são os movimentos de deflexão da cúpula que levam à inclinação dos cílios (figura 4).

Figura 4A. Desenho do labirinto direito, onde se pode verificar a posição da cúpula em cada um dos canais semicirculares.

 

Figura 4B. Desenho da estrutura da cúpula e das células ciliadas.

Alguns exemplos práticos do dia-a-dia

Aceleração linear

Estamos no 10º. andar de um edifício e queremos descer, estamos atrasados. Chamamos o elevador e assim que ele chega e abre a porta entramos, e logo depois que a porta fecha, percebemos que em vez de descer ele começou a subir. Olhamos para o visor dos andares para nos certificar de tamanho azar, e vemos que já está no 15º. andar.

Como percebemos que o elevador subia em vez de descer, sem olhar para o visor? Através da informação proprioceptiva (sensibilidade das articulações e músculos) e através da informação do nosso labirinto, em especial do sáculo. No momento em há deslocamento na vertical, com aceleração e desaceleração, os cristais de carbonato de cálcio do sáculo se deslocam para cima ou para baixo, pressionam as células da mácula (as células do labirinto) que são então estimuladas. Percebemos então que o elevador sobe ou desce através de nosso estímulo labiríntico.

Figura 5. Deslocamento da membrana otolítica e dos otólitos e inclinação dos cílios desencadeados pela inclinação da cabeça.

Dilema aceleração linear e inclinação

Einstein já dizia que  os acelerômetros não conseguem diferenciar inclinação de aceleração linear. E assim é nosso labirinto. Precisamos de outras informações sensoriais para saber se estamos acelerando ou inclinando.

Experimente da próxima vez que viajar de avião, fechar os olhos durante a decolagem. Apoie a cabeça no encosto da cadeira, confortavelmente e feche os olhos. Perceba que o avião está acelerando e quando começar a decolar mantenha os olhos fechados. Conforme o avião vai ganhando altitude tente imaginar a inclinação da aeronave. Quando já estiver bem certo de que a aeronave está bem inclinada abra os olhos. Provavelmente, você se enganará em relação ao grau desta inclinação. Provavelmente terá a impressão de uma inclinação muito maior do que a real. Isso ocorre porque a parte do nosso labirinto que percebe aceleração é a mesma que percebe inclinação, e no caso do exemplo do avião é o utrículo. Em uma aceleração – enquanto o avião está acelerando na pista de decolagem percebemos a aceleração (entre outros sensores) através do labirinto (além de outros sensores). Os cristais de carbonato de cálcio do utrículo de deslocam e empurram as células do labirinto gerando um estimulo. Uma inclinação da cabeça para trás, também induz o mesmo tipo de deslocamento dos cristais de carbonato de cálcio – ou seja desencadeia o mesmo estimulo no labirinto.

E em um avião decolando temos a impressão de que a inclinação é muito maior do que a real, porque os dois estímulos (aceleração e inclinação) se somam. Se, nesta hora o piloto acreditasse apenas na sua informação proveniente do labirinto, teria a impressão de uma inclinação maior do que a real, e tentaria “corrigir” esta inclinação, apontando o bico da aeronave um pouco para baixo. O avião não subiria, ou cairia. Resumindo, se dependêssemos apenas do labirinto não conseguiríamos diferenciar inclinação de aceleração. Para evitar isso a natureza proporcionou outras informações que atuam junto com o labirinto, evitando estes erros. E a tecnologia também contribui proporcionando aparelhos que identificam corretamente o que está acontecendo nas aeronaves.

Estes dois exemplos mostram de uma maneira prática como funciona o utrículo e o sáculo, ou os órgão otolíticos (assim denominados devido a presença dos otólitos – os cristais de carbonato de cálcio). Eles detectam a aceleração linear e a inclinação da cabeça em relação a gravidade.

Aceleração angular

Na prática do dia-a-dia é um pouco mais complicado encontrarmos exemplos de aceleração angular – a não ser que sejamos dançarinos, não temos o hábito de rodopiar por aí. Mas os movimentos de deitar, levantar, virar na cama, virar para o lado seja para pegar um objeto, olhar para alguma coisa que chamou nossa atenção, olhar para cima, para baixo – são inúmeros os exemplos de pequenas rotações – são acompanhados de aceleração angular, e portanto estimulam os canais semicirculares. Quando rodopiamos igual a uma bailarina também estimulamos os canais semicirculares, através da aceleração angular. Porém o grau de rotação não precisa ser grande, não é necessária uma volta completa de 360º para estimular os canais semicirculares. Poucos graus são suficientes, pois nosso labirinto é bastante sensível.

E como a rotação estimula o labirinto? dentro dos canis semicirculares há um liquido a endolinfa. Pela lei da inércia – ao se iniciar uma rotação o labirinto se movimenta primeiro e só depois a endolinfa começa a se movimentar. Este atraso, desencadeia um deslocamento relativo da endolinfa em relação ao labirinto – como se a endolinfa se movimentasse na direção contraria ao labirinto. Este deslocamento da endolinfa é o que estimula as células do labirinto, localizadas em uma das extremidades do canal semicircular. A mesma lei da inercia explica também porque o labirinto não é um sensor de velocidade, e sim de aceleração. Se a rotação se mantiver chega um momento em que endolinfa e labirinto se movimentam na mesma velocidade – então não há deslocamento relativo da endolinfa dentro do labirinto – não há estimulo das células que ficam na extremidade do canal (estas só são estimuladas por empurrões). Mas a mesma teoria explica que o labirinto também é sensível a desaceleração – quando o movimento é interrompido, a endolinfa demora um pouco mais para parar de se movimentar, o que também empurra as células da extremidade do canal semicircular.

Figura 6. Movimento da endolinfa e deslocamento da cúpula desencadeados por rotação da cabeça.

Resumindo, os conceitos mais importantes são:

  • o labirinto é um acelerômetro – identifica posição e aceleração da cabeça em relação ao espaço/ gravidade.
  • o labirinto não identifica movimento com velocidade constante.
  • para identificar aceleração e posição o labirinto é uma estrutura fixa, escavada no osso temporal
  • existem duas formas de aceleração – linear e angular. para identificar cada uma o labirinto tem estruturas diferentes.
  • estímulo de aceleração linear e de posição podem se confundir e o cérebro precisa usar outras informações para diferenciar aceleração linear e posição
Bibliografia
  1. Kandel, Eric R., James H. Schwartz, and Thomas M. Jessell. Principles of neural science, 5th edition, New York: McGraw-Hill, Health Professions Division, 2000.
  2. Brosntein, Adolfo, Lempert, Thomas.Tonturas: Diagnóstico e tratamento. Uma abordagem prática, 2a edição,  Revinter, 2018

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