Vertigem e enxaqueca?
Vertigem e enxaqueca estão associadas em uma frequência que é superior a apenas a co-ocorrência de duas queixas comuns. Ao longo da vida, a prevalência de migrânea é de 16%, a de vertigem 7%. Portanto seria de se esperar a ocorrência de ambas em não mais do que 1,12% da população, mas o que se observa é uma prevalência de 3,2%. Em pacientes com vertigem recorrente de causa indeterminada a presença de migrânea ocorre em 60-80% dos casos.
Este assunto há muito desperta o interesse de médicos clínicos e pesquisadores, e deste 1990 o número de artigos sobre vertigem e migrânea tem praticamente dobrado a cada 5 anos. Em 2004 foram propostos os critérios para o diagnóstico de migrânea vestibular, que foram posteriormente revisados e validados, pela International Headache Society (IHS) e pela Sociedade Barany.
Portanto, trata-se de uma entidade com critérios recentemente estabelecidos, ainda em parte pouco conhecida.
Os critérios diagnósticos são os seguintes:
A. Pelo menos 5 episódios preenchendo os critérios C e D.
B. História atual ou pregressa de migrânea sem aura ou de migrânea com aura
C. Sintomas vestibulares de moderada ou forte intensidade, com duração de 5 minutos a 72 horas
D. Pelo menos 50% dos episódios estão associados a pelo menos um dos três aspectos de migrânea:
- cefaleia com características migranosas
- fotofobia e fonofobia
- aura visual
E. Não pode ser explicada por outra forma de cefaleia ou outra síndrome vestibular
Estes critérios, no entanto, merecem algumas considerações.
Sintomas vestibulares
Pacientes com migrânea vestibular podem ter diferentes formas de sintomas vestibulares. A vertigem pode ser espontânea com sensação de rotação, vertigem posicional, vertigem induzida pela visão, vertigem induzida por movimento da cabeça, tontura e náusea (não rotatórias) induzidas pela visão.
Os pacientes podem ter vertigem espontânea, com sensação de rotação. Estes episódios podem durar horas, e alguns pacientes que iniciam com vertigem espontânea deixam de ter a queixa de maneira constante e prolongada e passam a ter nas horas seguintes vertigem posicional ou vertigem induzida por movimento da cabeça.
Outros pacientes podem ter desde o início apenas a vertigem posicional, que pode ser de curta duração ou durante todo o tempo em que se mantém a posição da cabeça. A vertigem posicional pode estar presente me 40 a 70% dos pacientes ao longo da doença, embora possa não estar presente em todas as crises.
Alguns pacientes podem ter vertigem provocada por cenas visuais, como cenas de televisão ou cinema, ou movimento de carros nas ruas, e esta queixa pode persistir entre as crises. Em outros pacientes, movimentos da cabeça também podem desencadear vertigem com ilusão de movimento e náusea, ou tontura sem ilusão de movimento e náusea.
Associação de vertigem e cefaleia
Para se estabelecer o diagnóstico de migrânea vestibular, é necessário que o paciente tenha história ou diagnóstico atual ou prévio de migrânea sem ou com aura. Mas também é muito importante notar que para o diagnóstico de migrânea vestibular não é necessário a associação de vertigem e cefaleia em todas as crises. Os sintomas vestibulares podem inclusive ocorrer na ausência de cefaleia, pois para o diagnóstico a vertigem precisa estar associada à cefaleia OU a fotofobia e fonofobia OU a aura visual. Além disto, esta associação só é necessária em metade dos episódios vertiginosos.
Outro aspecto que merece destaque é que muitas vezes a cefaleia é de menor intensidade em relação às crises habituais de migrânea. Algumas mulheres com migrânea vestibular contam que tinham muita cefaleia (enxaqueca) antes da menopausa, e depois da menopausa melhoraram muito, deixaram de ter cefaleia, mas que começaram a ter vertigem.
Duração dos sintomas vestibulares
Uma das questões que levou ao estabelecimento para outra entidade, que não fosse migrânea com aura ou migrânea vestibular, diz respeito à duração dos sintomas vestibulares. Uma aura tem duração de 5 a 60 minutos, e os pacientes com migrânea vestibular podem referir vertigem com duração mis longa que 60 minutos, podendo ser de até 72 horas. De uma maneira geral a distribuição da duração de crises pode ser dividida assim: minutos em 30% dos casos, horas em outros 30%, dias em 25%. Nos 15% restantes a vertigem pode ser duração de segundos, como nos casos posicionais, e o episódio é considerado como sendo todo o período de tempo em que o paciente teve estas crises de vertigem de curta duração. O outro extremo é de pacientes em que a vertigem tem duração de semanas, mas se considera o período em que os sintomas foram mais intensos, não excedendo 72 horas.
O exame neurológico dos pacientes com migrânea vestibular
Durante as crises de vertigem os pacientes podem ter nistagmo espontâneo, ou nistagmo posicional central, além de desequilíbrio. Raramente há alteração no reflexo vestíbulo-ocular. No intervalo entre as crises, o exame é normal, na maioria dos casos, mas aqueles pacientes com longa história de migrânea vestibular podem apresentar nistagmo posicional e seguimento sacádico.
Os exames complementares dos pacientes com migrânea vestibular
Alguns sinais sutis de comprometimento vestibular podem ser encontrados nos testes de oculomotricidade. Em relação à prova calórica pode haver um déficit unilateral em 10 a 20%, e bilateral em 11% dos casos. Alteração no vídeo head impulse test (vHIT) foi descrita em 9 a 11% dos pacientes.
Tratamento
Há poucos estudos que analisem especificamente o tratamento de pacientes com migrânea vestibular, e o que se segue são as recomendações para o tratamento da migrânea, portanto os pacientes com crises frequentes devem receber tratamento profilático. A crise de migrânea vestibular também pode ser tratada como qualquer outra crise de migrânea, e se os sintomas vestibulares forem intensos o paciente pode ser medicado com antivertiginosos.
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