VPPB – vertigem posicional paroxística benigna – o que é?
A VPPB (popularmente conhecida como ‘cristais soltos no labirinto”) é uma doença mecânica do labirinto, e como o próprio nome diz, não tem gravidade. O diagnóstico é fácil e o tratamento é simples, realizado com exercícios. Apesar disto ainda há grande desconhecimento desta condição, com impacto negativo para o paciente e para o sistema de saúde. Estima-se que apenas 30% dos pacientes recebem o diagnóstico correto e apenas 20% destes recebem tratamento adequado.
O quadro clínico da VPPB foi descrito em 1921 por Bárány, em 1952 Dix e Hallpike descreveram uma manobra para examinar e diagnosticar pacientes com o quadro descrito por Bárány, que eles denominaram “vertigem posicional do tipo paroxístico benigno”. Em 1969 Schucknecht identificou partículas de otólitos nos canis semicirculares, e com isso foi possível compreender sua fisiopatologia, de caráter puramente mecânico. Em 1980 Bradnt e Daroff propuseram a primeira sequência de exercícios para tratamento, e posterior Semont em 1988 e Epley em 1992 sugeriram outras manobras, sendo as mais utilizadas até hoje.
A VPPB é a principal causa de vertigem em um ambulatório especializado, correspondendo a aproximadamente 25% dos casos atendidos. Além disto é o diagnóstico em 90% dos casos de vertigem posicional. Acomete jovens e idosos, mas é muito mais comum em idosos. Abaixo de 60 anos, a incidência entre homens e mulheres é a mesma, e acima desta faixa etária, as mulheres são mais acometidas, com uma relação de casos entre mulheres: homens de 3:1. Pode ocorrer como consequência de trauma (TCE), neurite vestibular e doenças do labirinto, enxaqueca, mas grande parte dos pacientes não tem etiologia definida. A relação entre VPPB, osteopenia, osteoporose e deficiência de vitamina D tem sido discutida e será abordada à parte.
Para compreender os sintomas e o tratamento é necessário entender como ocorre a VPPB. Existem duas teorias a da cupulolitíase e a da canalolitíase. Provavelmente acontecem os dois mecanismos, mas entende-se que a canalolitíase seja mais frequente. Nos dois casos cristais de carbonato de cálcio, proveniente dos otólitos do utrículo se descolam da mácula e caem no canal semicircular. A partir daí estes cristais podem ficar aderidos à cúpula (cupulolitíase) ou podem ficar flutuando livremente na endolinfa do canal semicircular (canalolitíase).
Em qualquer uma das situações os pacientes se queixam de vertigem ao movimentar a cabeça, mas a teoria da canalolitíase explica melhor as características do nistagmo visualizado durante o exame neurológico. (ver adiante)
Como a entrada do canal semicircular posterior fica um pouco inferior, o canal semicircular posterior é acometido em 80 a 90% das vezes. O canal horizontal vem em segundo lugar, em 10-15% das vezes. Além de ser menos provável que os cristais descolados caiam no canal horizontal, sua orientação facilita a resolução espontânea durante movimentos da cabeça, principalmente durante o sono. O canal anterior (também denominado superior) tem sua entrada em uma posição superior, portanto é extremamente improvável que seja acometido. Os poucos casos de VPPB de canal anterior ocorrem como “complicação” do tratamento da VPPB posterior. Durante as manobras de tratamento, os otólitos podem migrar para o canal anterior, ao invés de caírem no utrículo.
Portanto, neste texto será abordada apenas a VPPB do canal posterior, e o canal horizontal será abordado à parte.
Quadro clínico
O paciente com VPPB tem uma queixa bastante típica: vertigem desencadeada por movimentos rápidos da cabeça, principalmente olhar para cima, deitar e virar na cama. Estes episódios são curtos, mas bastante intensos, com grande incômodo para o paciente.
Na história alguns aspectos são importantes.
Os episódios são desencadeados por movimentos da cabeça. Tem que se diferenciar o que piora a vertigem e o que desencadeia a vertigem. Um paciente com uma crise vestibular se queixa de piora dos sintomas quando movimenta a cabeça, porque o sistema vestibular comprometido é estimulado. Isto é esperado. Na VPPB, a queixa é diferente. O paciente fica bem quando está com a cabeça parada, e tem vertigem apenas quando movimenta a cabeça, A vertigem é desencadeada pelo movimento rápido.
Alguns pacientes, no entanto, têm sintomas muito intensos ou muito frequentes e podem referir uma sensação de peso na cabeça, de mal estar constante. Idosos em especial, podem ter VPPB, com menos queixas típicas de vertigem rotatória. Uma das perguntas durante a anamnese não deve ser se piora ou se a vertigem acontece quando movimenta a cabeça, mas como o paciente se sente quando está com a cabeça parada.
A vertigem ocorre ao deitar e virar na cama. Muitos paciente relatam vertigem pela manhã ao se levantar. Mas esta queixa deve ser bem explorada, pois causas não vestibulares, não neurológicas de tontura podem se manifestar por tontura ao se levantar, como a hipotensão postural. Outra pergunta chave na anamnese é se o paciente tem vertigem ao deitar ou virar na cama. Se a resposta for sim, trata-se de uma vertigem posicional, e a VPPB passa a ser a principal hipótese.
Os episódios de vertigem na VPPB são curtos e intensos. Tipicamente cada episódio dura menos de 1 minuto, mas sua forte intensidade pode fazer com que os pacientes superestimem sua duração, relatando às vezes episódios de minutos. Alguns ainda dizem que a tontura é constante, o que também pode ser explicado pela forte intensidade associada a alta frequência dos episódios. Pacientes que têm muitos episódios intensos podem permanecer com um mal estar residual entre estes episódios, e relatam tontura prolongada. Perguntar quanto tempo dura cada crise de vertigem rotatória e não o mal-estar que vem depois é a melhor forma de identificar estes casos.
Exame neurológico especifico
O exame neurológico do paciente com VPPB deve ser normal, com exceção do nistagmo observado durante a manobra de Dix-Hallpike ou manobra de posicionamento lateral. Se houver outras alterações o diagnóstico de VPPB deve ser revisto.
Como realizar as manobras para diagnóstico.
Existem duas manobras para diagnosticar a VPPB, a de Dix-Hallpike e a de posicionamento lateral, ambas com sensibilidade semelhante para identificar o nistagmo típico. A manobra de Dix-Hallpike é a mais conhecida, mas a manobra de posicionamento lateral pode ser mais confortável de ser realizada tanto pelo médico, como para o paciente, uma vez que não há a hiperextensão do pescoço, e o paciente parte da posição sentada de frente para o médico, na qual já é submetido à grande parte dos testes neurológicos.
O nistagmo típico da VPPB
O nistagmo típico da VPPB tem várias características, que são bem explicadas pelo mecanismo da canalolitíase.
- direção. O canal semicircular posterior leva ao estímulo do músculo oblíquo superior ipsilateral e reto inferior contralateral. A direção do nistagmo é dada pela fase rápida, uma sacada de correção, após o movimento induzido pelo estímulo vestibular, portanto na VPPB do canal posterior o nistagmo tem dois componentes, um vertical para cima e outro torcional para a orelha comprometida.
- latência. Após posicional o paciente há uma demora de alguns segundos (5-10) até o aparecimento do nistagmo. Este é o tempo necessário para as partículas iniciarem o movimento desencadeado pela força da gravidade.
- curta duração do nistagmo e da vertigem. O nistagmo e a vertigem duram menos de um minuto, geralmente de 30 a 40 segundos. Quando as partículas de carbonato de cálcio atingem o ponto mais inferior do CSC, o que ocorre após alguns segundos, cessa o estímulo na cúpula.
- fatigabilidade. Se o paciente for examinado várias vezes, o nistagmo diminui, podendo desaparecer. Movimentos repetidos levam a fragmentação das partículas, e consequentemente a menor efeito no movimento anormal da endolinfa.
- reativação da vertigem após períodos de repouso. Com o tempo ocorre formação de novas partículas, ou há reagregação daquelas fragmentadas, e o paciente volta a apresentar sintomas e nistagmo.
- inversão do nistagmo. O nistagmo ao deitar o paciente tem a direção típica descrita acima. E ao sentarmos o paciente de volta, pode ocorrer uma inversão na direção do nistagmo observado ao deitar. Ao se fazer o movimento no sentido contrário, as partículas também fazem um movimento na direção contrária e a deflexão da cúpula é oposta à inicial, invertendo a direção do nistagmo.
De todos estes aspectos a direção é o mais importante, uma vez que identifica de maneira o canal comprometido. Lembrando que cada canal semicircular é responsável pelo estímulo de um par de músculos oculares. O canal posterior estimula os músculos oblíquo superior ipsilateral e reto inferior contralateral. A direção do nistagmo corresponde à fase rápida, à sacada, portanto é oposta à direção do estímulo deste par de músculos. Além disto, é improvável que uma lesão central seja capaz de estimular especificamente este par de músculos e desencadear um nistagmo igual ao da VPPB. Lesões centrais podem levar a nistagmo com latência, fatigabilidade, curta duração, semelhantes ao da VPPB, mas dificilmente com a mesma direção.
Tratamento
A VPPB é uma doença mecânica e benigna do labirinto. Há uma grande frequência de resolução espontânea, mas muitos pacientes podem permanecer com a vertigem por meses e às vezes anos. Portanto, as manobras para tratamento estão indicadas em todos os pacientes após o diagnóstico, pois não é possível saber quem terá resolução espontânea. Além disto as manobras são bem toleradas na maioria das vezes, e estudos mostram que após uma sessão ocorre remissão em 80% dos pacientes. Aqueles que não melhoram após uma primeira sessão de manobras, devem realizá-las novamente, o que aumenta a chance de resolução. As manobras mais utilizadas são a de Epley e a de Semont (veja descrições abaixo).
Bibliografia
- Semont A, Freyss G, Vitte E. Curing the BPPV with a liberatory maneuver. Adv Otorhinolaryngol 1988;42:290-293
- Epley JM. The canalith repositioning procedure: for treatment of benign paroxysmal positional vertigo. Otolaryngol Head Neck Surg 1992;107:399-404
- Kim JS, Zee DS. Benign paroxysmal positional vertigo. N Engl J Med. 2014;370(12):1138–47.
- Von Brevern M, Bertholon P, Brandt T, Fife T, Imai T, Nuti D, et al. Benign paroxysmal positional vertigo: Diagnostic criteria. J Vestib Res Equilib Orientat. 2015;25(3–4):105–17.
- Mandalà M, Salerni L, Nuti D. Benign Positional Paroxysmal Vertigo Treatment: a Practical Update. Curr Treat Options Neurol. 2019;21(12):66.